Entrevista com o pesquisador que descobriu o sapinho-pingo-de-ouro no Morro do Cachorro

O animal, com um pouco mais de um centímetro, virou símbolo de Blumenau nesta semana.

Foto: Luiz Fernando Ribeiro

Um assunto que chamou bastante a atenção nesta semana foi o sapinho-pingo-de-ouro (Brachycephalus boticario), que se tornou símbolo de Blumenau. O que praticamente ninguém sabe é quem o descobriu e como tudo aconteceu. Fomos atrás e entrevistamos o professor e pesquisador Luiz Fernando Ribeiro. Inclusive ele prefere chamar de sapinho-da-montanha para diferenciá-lo das espécies paulistas e fluminenses.

Paixão pela natureza desde a adolescência

Por mais de duas décadas, Luiz percorreu as montanhas da Serra do Mar com uma paixão que nasceu ainda na adolescência. Aos 17 anos, sua mãe já se preocupava quando ele partia sozinho para explorar os morros ao redor de Curitiba. O que ela não imaginava é que aquela curiosidade juvenil se transformaria em uma das mais importantes descobertas da biodiversidade catarinense.

Em setembro de 2012, o pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR) subiu pela primeira vez o Morro do Cachorro, no limite entre Blumenau, Gaspar e Luiz Alves. Não foi um eio casual. Ribeiro e seu colega Márcio Roberto Pie seguiam um método científico rigoroso: análise por satélite, estudo da vegetação, altitude e perfil florestal para identificar áreas prováveis de encontrar espécies do gênero Brachycephalus.

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“Quando a gente viu essa espécie, ficamos totalmente maravilhados”, relembra o professor, que tem mais de 20 anos de experiência docente e se especializou no estudo de anuros endêmicos da Mata Atlântica. “É uma sensação indescritível descobrir, no século 21, espécies que nunca ninguém tinha percebido que existia ali.”

 

Foto: Luiz Fernando Ribeiro

A caça ao som na serrapilheira

O encontro não foi fortuito. Os pesquisadores chegaram ao Morro do Cachorro durante a primavera, período reprodutivo dos Brachycephalus, quando os machos vocalizam para atrair as fêmeas. O minúsculo anfíbio — menor que uma moeda de 5 centavos — praticamente não se expõe durante o dia. Vive camuflado na serrapilheira, aquela densa camada de folhas que cobre o chão da floresta.

“Como ele é meio amarelinho, meio alaranjado, andando por cima da serra pilheira certamente seria predado”, explica Ribeiro. “É pelo coaxado que a gente encontra ele. O macho canta e, apesar de ser baixinho, quando muitos cantam ao mesmo tempo, conseguimos ouvi-los.”

A descoberta levou três anos para ser confirmada cientificamente. O Brachycephalus boticario foi descrito oficialmente em 2015, em um artigo publicado na revista norte-americana PeerJ que teve repercussão internacional, saindo em jornais da Europa e Estados Unidos. Ironicamente, o mundo soube da descoberta antes dos próprios blumenauenses.

Uma espécie única e ameaçada

O que torna o sapinho-pingo-de-ouro (Brachycephalus boticario) tão especial não é apenas seu tamanho diminuto ou sua coloração vibrante — dorso marrom-amarelado e ventre alaranjado. É sua exclusividade geográfica. Mesmo procurando nos morros vizinhos, os pesquisadores não encontraram a espécie em nenhum outro local.

“Ela se torna única porque só foi encontrada nesse morro”, destaca Ribeiro. “A gente não vai encontrar ela em nenhum outro lugar, pelo menos até agora.”

Essa característica, resultado de um processo evolutivo de 5 milhões de anos de adaptação às condições específicas do topo das montanhas — ambiente mais frio e vegetação mais densa —, também representa sua maior vulnerabilidade. Por ter população única, a espécie foi classificada como ameaçada de extinção.

Conexões científicas e ausência de parcerias locais

Apesar da descoberta ter ocorrido em território catarinense, Ribeiro não mantém vínculos diretos com a Universidade Regional de Blumenau (FURB). Suas colaborações em Santa Catarina se limitam a dois pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, com quem participa de um plano de ação nacional para conservação de espécies ameaçadas de répteis e anfíbios.

“A gente participa de ações juntos para conservação”, explica o pesquisador. “No sul do Brasil temos 36 espécies entre anfíbios e répteis ameaçados de extinção, e o Brachycephalus boticario é uma delas.”

De três para 42 espécies

A trajetória de Ribeiro com os Brachycephalus começou no ano 2000, durante uma trilha na Serra do Mar, quando ouviu um sapinho cantando e descobriu que não se tratava de nenhuma espécie conhecida. Na época, existiam apenas três artigos científicos sobre o gênero e apenas três espécies descritas.

“Eu pensei: como pode, em pleno século 21, conhecer tão pouco sobre isso?”, lembra. “Elaborei uma hipótese de que este gênero era tão biodiverso quanto os outros da Mata Atlântica.”

A hipótese se confirmou de forma espetacular. Hoje, 25 anos depois, são conhecidas 42 espécies de Brachycephalus — um aumento de mais de 10 vezes. Ribeiro participou da descrição de várias delas, sempre enfrentando os desafios do terreno acidentado da Serra do Mar.

Potencial farmacológico escondido

Além da importância ecológica, essas pequenas criaturas podem guardar segredos medicinais. Uma espécie parente do sapinho-pingo-de-ouro, encontrada no Paraná, possui uma toxina 67 vezes mais potente que a tetrodotoxina do baiacu. No Japão, pesquisas indicam que essa substância pode ser utilizada como anestésico para doenças raras que causam dores intensas.

“É uma poupança genética”, define Ribeiro. “Através de pesquisas, podemos encontrar substâncias que sejam úteis para o homem, biomoléculas que no futuro possam ajudar a sociedade.”

O reconhecimento que veio de longe

A aprovação do sapinho-pingo-de-ouro como símbolo municipal de Blumenau, pela Câmara de Vereadores no dia 10 de junho, encheu o pesquisador de orgulho. A descoberta, que começou com o investimento de cerca de R$ 100 mil da Fundação Boticário através do Instituto Mater Natura, ganhou reconhecimento oficial nove anos depois.

“Fiquei muito satisfeito, muito orgulhoso”, celebra Ribeiro. “A descoberta foi, em parte, fruto do meu esforço, e ao longo desses anos temos lutado para conservar essas espécies.”

O sapinho-pingo-de-ouro se junta agora à aracuã (Ortalis squamata) como símbolo ambiental de Blumenau, representando a riqueza única da Mata Atlântica — o bioma mais biodiverso do mundo em número de espécies por área.

O futuro da conservação

Para Ribeiro, que já ou dos 50 anos dedicados à pesquisa, os maiores desafios ainda estão pela frente: baixo investimento em pesquisa e políticas de conservação incipientes. Mas sua mensagem para a população é otimista e prática.

“São ações simples que contribuem”, ensina. “Diminuir nossa pegada ecológica, evitar desperdícios, usar energia sustentável, fazer reciclagem correta. Se todos fizessem isso, diminuiria muito os impactos que causamos.”

O homem que subiu o Morro do Cachorro em busca de um som quase imperceptível encontrou muito mais que uma nova espécie. Descobriu um símbolo da resistência da natureza e da importância da ciência básica — aquela que, como uma poupança, guarda conhecimentos que só o futuro revelará sua real importância.


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